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Ninguém me compreende…

Ninguém me compreende…

“Não valia a pena esperar, ninguém viria
que nos segurasse  a cabeça, e nos pegasse nas mãos,
estávamos sós e essa solidão éramos nós,
sós,
sem ninguém à escuta,
nem a nossa própria voz”
Manuel António Pina

 

“Sinto que ninguém me compreende”, é algo que ouço muitas vezes nas primeiras sessões de Psicoterapia; normalmente “ por isso nunca falei disto com ninguém”, é o tipo de afirmação que se segue. São frases comuns nos consultórios de um Psicoterapeuta e na vida das pessoas em geral. Parecem ditas ao acaso e como algumas pessoas têm tendência a desvalorizar o que ouvem, tal como muitos desvalorizam o que dizem, acabam quase sempre por cair no esquecimento.

“Ninguém me compreende” representa muito mais que do que isso; é como um grito silencioso, de vozes muitas vezes em angústia e que procuram mais do que serem ouvidas e compreendidas. É daqui que brota muitas vezes a Solidão, porque “se ninguém me compreende”, provavelmente “sinto-me sozinho” e também se “não falo disto com ninguém”, provavelmente “reforço dentro de mim” o sentimento de “estar só”; este “estar só”, pode ser muito doloroso porque não importa quantas pessoas estão à minha volta acabarei sempre me sentir na solidão. 

Na verdade existe um “estar só” que é bastante saudável. É aquele que resulta da nossa vontade de escutarmos aquilo que sentimos, sozinhos ou em silêncio e quando sabemos que  mais tarde poderemos estar acompanhados sempre que assim o desejarmos; reflete um sentimento de segurança e confiança, porque sentimos que “estar só” é um privilégio que retiramos do facto de nos sentirmos muitas vezes acompanhados. É curioso porque quanto menos nos sentimos na solidão, mais gostamos e aproveitamos o facto de podermos estar sós quando o desejamos.

No entanto, quando “ninguém me compreende”, o sentimento de solidão é quase inevitável, e por isso mesmo “estar só”, pode revelar-se angustiante e assustador; quase como as crianças pequenas que acordam sozinhas, no escuro, e se sentem aterrorizadas perante a ausência de resposta dos seus cuidadores; quando questionadas, as pessoas que referem que “nunca falaram disto com ninguém” argumentam “que não vale a pena”, “ninguém me compreende” ou então “que não confiam em ninguém” (ou seja provavelmente sentiram que ninguém lhes deu as provas que desejavam ter e se tornam suficientes para o outro ser considerado de confiança, por isso se sentem ainda mais sós); é curioso, porque parece que na verdade algumas destas pessoas não compreendem porque é que ninguém as compreende; é como um ciclo vicioso… talvez nunca tenham expressado verdadeira e abertamente o que sentem, provavelmente com medo de demonstrarem as suas supostas fragilidades (são sentimentos, não são fragilidades, porque todos os sentimentos são válidos) e por isso mesmo impossibilitam os outros de as compreenderem.

Seja como for, ser compreendido representa muito mais do que ser ouvido e entendido (de qualquer forma para isso é necessário que “se fale disso com alguém”) e por isso quando dizemos que “ninguém nos compreende”, estamos no fundo a verbalizar uma espécie de vazio, um sentimento de que ninguém entende as nossas necessidades, ninguém percebe o porquê dos nossos receios, que por vezes precisamos apenas de validação e aceitação, dum ombro amigo, de alguém que demonstre que está a ouvir o que dizemos, que nos valorize apesar das nossas supostas fragilidades, que fique connosco em silêncio ou que simplesmente nos ouça, mesmo que no fundo não nos compreenda.

É por isso que muitas vezes quando dizemos que “ninguém nos compreende”, acabamos por nos sentir insatisfeitos (a nossa necessidade de ser aceite não foi satisfeita) e acabamos por mostrar o nosso desagrado pelo facto de não compreendermos porque ninguém nos compreende (ninguém satisfaz as nossas necessidades), ou de não compreendermos porque os outros parecem ser compreendidos e nós não! É por isso também que nestes casos, como sentimos que não compreendemos porque os outros não nos compreendem (ouvem e aceitam), sentimos que talvez sejamos nós que estejamos errados e preferimos “não falar disso com ninguém”.

 

Rolando Andrade

Psicólogo Clínico

Psicoterapeuta

Psicólogo do Desporto

Cédula profissional O.P.P 4365

 

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